quarta-feira, novembro 22, 2006

Linha alaranjada: investimento de brasileiros no exterior. Lina verde: de estrangeiros no Brasil

domingo, novembro 05, 2006

GASTOS DO GOVERNO EM PORCENTAGEM DO PIB

Por que o Brasil cresce pouco

Economista José Márcio Camargo, Folha de São Paulo (íntegra)

Como o país gasta muito com os idosos, sobram poucos recursos para investimento na educação das crianças

"O BRASIL tem carga tributária de Primeiro Mundo e serviços sociais de Terceiro Mundo." Essa frase tem sido dita e repetida por empresários, analistas, políticos, profissionais liberais etc. Não há dúvida de que a carga tributária brasileira, de 38% do PIB, é extremamente elevada. Nesse sentido, a frase está totalmente correta.

Entretanto será que o complemento -"e serviços sociais de Terceiro Mundo"- está correto? E, caso a resposta a essa pergunta seja afirmativa, para onde vai o dinheiro arrecadado?

Comecemos pela pergunta: para onde vai o dinheiro arrecadado pelo Estado?

O governo brasileiro gasta:

13% do PIB com aposentadorias e pensões,
4,5% com educação e
7,5% com saúde.
-------
25% do PIB, ou 68% do total de tributos arrecadados.

Se acrescentarmos:
7% do PIB para o pagamento de juros da dívida pública e
4,25% superávit primário (amortização da dívida)
-------
36,25% do PIB.

Sobra 1,75% do PIB [para chegar em 38%] para investimentos e manutenção dos outros setores (infra-estrutura, segurança, agricultura, ciência e tecnologia etc.). Como esse dinheiro não é suficiente, o governo brasileiro tem déficit anual de aproximadamente 3% do PIB. Portanto para todos os outros setores são destinados 4,75% do PIB a cada ano (o 1,75% que sobrou mais o déficit nominal de 3%).

SÓ CORTAR JUROS NÃO É SUFICIENTE

De todas as rubricas descritas, alguns dirão que o total de recursos destinado ao pagamento de juros está excessivamente elevado e poderia ser reduzido. Entretanto, ainda que seja possível cortar a taxa de juros real à metade, sem gerar inflação, a economia de recursos seria da ordem de 3,5% do PIB. Um valor significativo, mas apenas o suficiente para eliminar o déficit nominal do setor público. Algo adicional teria de ser feito para viabilizar a redução da carga tributária e para ter mais investimentos sem gerar aumento do déficit público e, portanto, sem risco de volta da inflação.

Dos itens descritos, as proporções dos gastos com saúde e com educação estão basicamente dentro da média internacional.

13 % PARA APOSENTADORIA ESTÁ FORA DO PADRÃO MUNDIAL (6% PARA A MESMA PROPORÇÃO DE VELHOS)

Entretanto os gastos com aposentadorias e pensões estão totalmente fora do padrão. O Brasil tem 6,5% de sua população composta de idosos -pessoas com 65 anos ou mais. Países com essa porcentagem de idosos gastam, em média, 6% de seus respectivos PIBs com tal rubrica. Ou seja, gastamos o dobro da média internacional. Países asiáticos, como a China e a Índia, ou não têm nenhum sistema de previdência social (Índia) ou gastam menos de 2% do PIB com a rubrica (China e Coréia do Sul).

Suponha que o Brasil gastasse a média internacional (6% do PIB) com previdência e assistência social [economizaria 7% do PIB (13-6]. Nesse caso, o total de gastos com os setores sociais (previdência [6%], assistência, saúde e educação) seria de 18% do PIB e, mantendo-se os gastos com os demais setores nos mesmos níveis atuais, o total dos gastos públicos, excluindo o pagamento dos juros da dívida, atingiria 22,75% do PIB. O resultado seria um superávit primário de 15,25% do PIB (38% menos 22,75%), o que geraria uma queda dramática dos juros da dívida pública.

Suponha que, diante desse cenário, os juros reais possam cair para 3% ao ano, levando o gasto com juros para 2,5% do PIB [economizaria mais 4,5% (7-2,5)]. Nesse caso, o superávit nominal seria de 12,75% do PIB. Nesse cenário, o governo poderia reduzir a carga tributária em 6 pontos percentuais do PIB e, ao mesmo tempo, aumentar os investimentos em infra-estrutura, segurança, educação etc. em 6,75 pontos, preservando o equilíbrio das contas públicas. Suponha, finalmente, que da queda da carga tributária de 6 pontos, 2 pontos sejam convertidos em investimentos pelo setor privado. Nesse caso, teríamos aumento da taxa de investimento da ordem de 8,75 pontos do PIB, o que elevaria a taxa de investimento total de 20,5% para 29,25% do PIB, permitindo à economia crescer de forma sustentada a taxas acima de 6% ao ano. Portanto, ao contrário do que a afirmativa sugere, nosso sistema de aposentadoria e assistência social é muito mais generoso que o de qualquer país do Primeiro Mundo. O resultado é que gastamos muito com nossos idosos e sobra pouco para ser gasto com a educação de nossas crianças, com segurança, com infra-estrutura e com investimentos em geral. O Brasil gasta 15 vezes mais (em termos per capita) com aposentadorias e pensões do que com a educação de nossas crianças. A lição é simples: para reduzir a carga tributária e aumentar as taxas de investimento e de crescimento é indispensável uma drástica reforma do sistema de previdência e assistência social. Sem tal reforma, vamos pagar cada vez mais tributos e crescer pouco.

JOSÉ MÁRCIO CAMARGO é professor do Departamento de Economia da PUC-RJ e sócio da Tendências Consultoria Integrada.